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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
A MATRIOSHKA DE VLADIMIR PUTIN
   
"Todas as famílias felizes são iguais, mas as infelizes são infelizes cada uma de sua maneira", ensina Tolstói, escritor russo, no primeiro parágrafo de Ana Karenina, sua obra magistral.

Todos os regimes democráticos felizes são felizes de forma igual, mas os autoritários são infelizes cada um de sua maneira.

O melhor retrato de Vladimir Putin, 60 anos, eleito dia 4 de março de 2012, para seu terceiro mandato como presidente da Rússia, é a matrioshka, a tradicional boneca russa que se esconde uma dentro da outra. A essência autoritária do poder em Moscou está congelada no olhar frio e na biografia gélida desse ex-agente secreto, faixa vermelha e branca (6º dan) em judô, digno sucessor de um país marcado por governantes duros, distantes, impenetráveis como as estepes da Sibéria.

Apesar da sagração por 64% dos 110 milhões de eleitores que foram às urnas no primeiro domingo de março, Putin lembra mais os seis implacáveis governantes que forjaram o poder no primeiro Estado socialista do mundo, a partir da revolução bolchevique de 1917. Lênin, Stálin, Krushchov, Brejnev, Andropov e Chernenko gastaram estes primeiros 63 anos, até 1985, para forjar o caráter impiedoso, desconfiado, repressivo de uma elite governante que desconfiava de seu próprio povo. O epítome deste período, e o mais longevo deles, foi Josef Stálin (1924-1953), que assombrou a Grande Rússia por 29 anos.

Na era stalinista nasceu o NKVD, o coração do sistema repressivo que, no início da II Guerra Mundial, chegou a cooperar com a Gestapo nazista para controlar a Polônia. Em 1954, um ano após a morte de Stálin, da matrioshka do NKVD brotou o KGB, uma polícia secreta sem paralelo no mundo: tinha blindados, aviões de caça, barcos e 300 mil integrantes, agindo fora das Forças Armadas e nos intestinos do Kremlin. Dali assomaram dois supremos governantes russos: Yuri Andropov, que chefiou o KGB durante 15 anos, entre 1967 e 1982, ano em que sucedeu Leonid Brejnev, e Vladimir Putin.

Filho de uma família operária de São Petersburgo, a cidade onde nasceu 35 anos após o levante bolchevique, o advogado Putin enveredou para a espionagem aos 23 anos, alistando-se no KGB. A partir de 1985, como agente infiltrado em Dresden, acompanhou a derrocada da Alemanha Oriental e a queda do muro de Berlim. Regressou a São Petersburgo para vigiar os estudantes da universidade estatal. Renunciou à vida de agente no início de 1992, já no posto de coronel, quando fracassou a tentativa de golpe do KGB contra a glasnost e a perestroika do liberal presidente Mikhail Gorbachev. Em 1998, para não perder o hábito, aceitou a nomeação do presidente Bóris Yeltsin como diretor do Serviço Federal de Segurança, a matrioshka que sucedeu o KGB. Dentro da nomemklatura do Kremlin, Putin virou primeiro-ministro e, diante da renúncia de Yeltsin, presidente interino em 1999. Em 2000, com 53% dos votos, elegeu-se presidente, assegurando a reeleição em 2004, com votação ainda maior: 70%.

A economia cresceu, a política definhou. O jovem coronel do KGB governou com mão de ferro, reprimindo os separatistas chechenos com rigor, combatendo entidades da sociedade civil, perseguindo jornais e jornalistas de oposição (13 jornalistas morreram na Rússia na era Putin). Sofreu um enorme desgaste internacional em 2004, quando comandou uma violenta e desastrada ação militar para liberar uma escola ocupada por terroristas em Beslan, provocando a morte de 186 crianças. Aos trancos e barrancos, ajudado pela alta do petróleo e pelo vigor da economia com o aumento do consumo, Putin impôs a ordem, assegurou a estabilidade e garantiu a popularidade.

Em 2008, um pequeno contratempo. A Constituição não permitia um terceiro mandato consecutivo. A matrioshka de Putin voltou a funcionar: transformou Dimitri Medvedev no seu boneco da sucessão, trocando de cargo com ele. Putin virou provisoriamente primeiro-ministro e Medvedev se elegeu como presidente-tampão no mandato de 2008-2012. Agora, revigorado pelas urnas de domingo, Putin devolve seu antecessor para o posto decorativo de primeiro-ministro e ganha um novo e ampliado mandato presidencial de seis anos até 2018, quando a Rússia será o palco da Copa do Mundo de futebol - um excelente trampolim para um novo mandato de seis anos para Putin, até o longínquo 2024.

Se isso acontecer, Vladimir Putin conseguirá fazer, na democracia do Século 21, o que só Stálin fez no Século 20, no fragor do maior conflito bélico da história e no embate surdo da Guerra Fria entre as duas superpotências, EUA e URSS. Será o mais longo, incontrastável, insuperável poder de um único homem na Mãe-Rússia. De 2000 até 2018, com o breve interregno do boneco Medvedev, Vladimir Putin vai traçar o destino e a vontade dos 143 milhões de habitantes do mais extenso país do mundo (1/9 da superfície da terra), a segunda maior potência nuclear do planeta. Se ganhar uma sobrevida de mais seis anos na presidência a partir da Copa do Mundo de 2018, Putin completará 24 anos, quase um quarto de século, no coração do poder em Moscou.

Ao terminar seu eventual e inédito quarto mandato de 2024, Putin terá 72 anos de vida - três anos mais jovem do que Stálin ao morrer, após 29 anos como supremo ditador.

Se tiver saúde e disposição, Putin poderá ainda superar este recorde stalinista.

Ou, então, apelar para o velho e seguro rodízio da matrioshka.
   
 
 
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