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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
O QUADRO NA PAREDE, A DOR NA ALMA
   
Na tela e na foto, a cor mais quente é a mescla inflamável do amarelo em combustão com o laranja. Na figura da arte e na imagem da vida, contudo, a forma mais destacada é o circulo dramático da boca, expressão muda do desespero humano, da dor lancinante que resume a angústia, do sofrimento que oprime a alma, do padecimento que carboniza o corpo.

A tela é O Grito, pintada em 1893 pelo mestre norueguês Edvard Munch, talvez o ícone mais importante e mais famoso da escola expressionista da pintura. A foto é a imagem do ativista tibetano Jamphel Yeshi, 27 anos, , correndo sem rumo pelas ruas de Nova Delhi com o corpo tomado pelas chamas que ele ateou ao seu corpo, em protesto pelo desembarque na Índia de Hu Jintao, o presidente da China que oprime o Tibete desde a fracassada rebelião de 1959. A manifestação aconteceu na segunda-feira, 26, o manifestante morreu no hospital na quarta-feira.

Cerca de 30 autoimolações de tibetanos ocorreram, desde o ano passado, como expressão candente de resistência de uma pequena nação de 2,8 milhões de budistas contra a ocupação militar da mais populosa potência comunista do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes. O Dalai Lama, seu maior líder espiritual, vive exilado no exterior, assim como outros 100 mil tibetanos. Pequim rejeita qualquer autonomia do Tibete, de olho no rico subsolo do país, com cobre, zinco e urânio suficientes para alimentar 1/5 da gulosa economia chinesa.

Além de ocupar templos, reprimir monges e sufocar a religiosidade de um povo que não aceita o credo maoísta, a China invade o Tibete pela economia, assumindo os cargos mais importantes da burocracia, das escolas aos bancos. Menos de ¼ dos 300 mil habitantes da capital, Lhasa, são tibetanos. Graças à injeção de US$ 3 bilhões em 2011, um terço mais dos investimentos chineses em 2008, o Tibete conseguiu a proeza de ter um PIB crescendo 12% ao ano, superando até o da espantosa economia da China.

Desde o grande levante nacional de 1959, que provocou a morte de 87 mil pessoas e o exílio do Dalai Lama, o Tibete grita diante de um mundo surdo. Refugiado na Índia há 53 anos, o Dalai Lama, que se acredita a reencarnação de Buda, virou em 1967 um andarilho internacional que denuncia ao mundo a opressão chinesa. Em 1989, esse grito persistente garantiu ao sorridente dalai, o 14º guia de uma seita que governa desde o século 17, o Prêmio Nobel da Paz. A maior instância política internacional, porém, continua inaudível. A ONU limita-se a notas solidárias, nunca colocou o tema na pauta da Assembleia Geral, muito menos formalizou qualquer protesto contra a ocupação, já que a China é um dos cinco grandes com poder de veto às questões mais incômodas aos seus interesses.

Em nome dos bons modos e da boa convivência com Pequim, seus interlocutores evitam toldar o sorriso chinês com a intragável questão tibetana. Foi a gentileza que cometeram agora em Nova Delhi, onde o presidente Jintao desembarcou, horas após a imolação de Yeshi, para o encontro dos governantes do BRICS - Brasil, Rússia, China e África do Sul --, entre eles a presidente Dilma Rousseff.

Assim, a foto dramática do ativista em chamas, aureolado pelo amarelo-laranja que o devorava diante da apatia geral, terá o mesmo e surdo destino da obra de arte de Munch: um quadro na parede.

O grito de terror, pela dor sentida, pelo desespero vivido, não se ouve na tela do pintor norueguês ou na foto do manifestante tibetano. Mas isso nem é necessário.

Aquele grito, aquele desespero, ecoa na mente de todos nós que temos olhos para ver, consciência para entender e coração para sofrer.



   
 
 
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