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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
DON'T CRY FOR ME, MALVINAS
   
As diferenças são históricas, políticas, geográficas, estratégicas, linguísticas. Assim, não existe acordo no horizonte entre Argentina e Inglaterra em torno da soberania sobre as ilhas Malvinas (ou Falklands), o território mais austral do extinto império colonial britânico. O primeiro pé na ilha, em 1690, foi o do inglês John Strong, que batizou a ilha como Falklands. Nos dois séculos seguintes, aquele amontoado de pedras geladas espalhadas por 12 mil km² em 700 pequenas ilhas passou de mão em mão, até cair sob controle argentino em 1820, quando o país se libertou do jugo espanhol. Treze anos depois, no auge do imperialismo britânico sob o reinado de Vitória, a Inglaterra retomou o controle da ilha.

A Argentina reclama desde 1833, portanto, a 'usurpação' das Malvinas, hoje habitada por um milhão de pinguins e 4.200 kelpers, os ilhéus que detêm a maior renda per capita da América Latina: US$ 25 mil/ano (o triplo do Brasil, US$ 8,3 mil). Apesar de estarem a apenas 550 km do litoral argentino e longos 12 mil km da metrópole britânica, eles se consideram súditos de Sua Majestade. Trinta anos atrás, este pedaço irrelevante do mundo provocou efeitos opostos em Buenos Aires e em Londres, afundando um regime e salvando um governo.

Chefe de uma ditadura agonizante, o general Leopoldo Galtieri assumiu uma desastrada aventura militar contra uma das superpotências militares do planeta. Perdeu a guerra em 74 dias e afundou meses depois o regime que, desde 1976, tinha matado 30 mil dissidentes da mais sangrenta ditadura do Cone Sul. A mesma aventura salvou o governo conservador em crise da primeira-ministra Margareth Thatcher, acuada pela rejeição dos sindicatos do Reino Unido à sua dura política neoliberal. O patriotismo balofo dos generais argentinos deu um fôlego inesperado de triunfalismo aos conservadores ingleses, garantindo a Thatcher a vitória mais folgada da história da Inglaterra desde 1935. A 'Dama de Ferro' londrina ganhou a sobrevida política, por ironia, graças aos generais de chumbo do regime argentino.

O atrevimento de Buenos Aires não contava com a ousadia britânica, que reagiu na mesma moeda, enviando aos mares do sul uma frota de 127 navios, incluindo seis submarinos nucleares e dois porta-aviões. Os Estados Unidos, que apoiaram todas as ditaduras sangrentas da região, optaram pelos laços de sangue com os ingleses, alinhando seus satélites para a logística militar. O Chile do ditador Pinochet deu suporte militar e campos de pouso para os helicópteros ingleses. A Cuba do comunista Fidel cortejou a Argentina dos generais que perseguiam os comunistas. O Brasil de Figueiredo disfarçou em cima do muro.

A França abriu para Londres os códigos de desativação dos mísseis Exocet, que ficaram cegos e erráticos. Os subsônicos ingleses Sea Harrier, com pilotos melhores e mísseis mais certeiros, foram mais letais do que os supersônicos Mirage obsoletos e mal tripulados pelos argentinos. Londres perdeu só 10 de seus 42 aviões, Buenos Aires lamentou a perda de 75 aparelhos de sua esquadrilha de 183 aeronaves utilizadas no conflito.

Era uma guerra perdida de amadores contra profissionais: 65% dos 10 mil soldados argentinos eram recrutas de 19 anos, com apenas 90 dias de treinamento militar, contra 28 mil soldados britânicos, 100% profissionais e com anos de adestramento. Galtieri não corria nenhum risco de vencer. Mas, em nome dessa estúpida aposta, morreram em batalha 655 argentinos e 255 britânicos. Outros 400 militares argentinos, mais da metade das baixas em combate na frente das Malvinas, morreram depois da guerra: suicidaram-se na paz do continente, no auge da crise de depressão nacional que sucedeu à derrota.

Em 1993, dez anos após a derrota e a queda da ditadura, surgiu a evidência de que existe algo mais do que 'princípios' na base desse conflito secular: descobriu-se petróleo na bacia das Malvinas. Em seis poços perfurados em 1998 numa área com a metade do tamanho do Texas, ao norte das ilhas, cinco produziram óleo ou gás. Seis petroleiras já furam o solo da região, com um potencial estimado de 3,5 bilhões de barris. Apesar da guerrilha verbal desatada pelo governo de Cristina Kirchner, no aniversário da guerra iniciada em abril de 1982, as relações comerciais continuam em paz: em 2011, a Argentina importou US$ 614 milhões da Inglaterra, 40% mais do que no ano anterior, segundo dados da insuspeita Telam, a agência de notícias do governo. Ainda assim, o saldo na balança favorece os argentinos em US$ 104 milhões, ou seja, eles vendem mais do que compram de seus inimigos.

Nos mapas argentinos, as Malvinas aparecem como território nacional. Mas, não é o que pensam as companhias telefônicas privatizadas e o Correo Argentino, que continua estatal. As chamadas por telefone e as cartas para a capital, Stanley (Puerto Argentino, para os vizinhos) são taxadas ou seladas como destino internacional - ou seja, não argentino. Apesar disso tudo, os diplomatas do país recusam viagem às Malvinas para evitar o carimbo britânico nos passaportes, um último arroubo nacionalista para não admitir que estão entrando em território estrangeiro.

Nada disso faz o menor sentido. Mas, no conjunto, poderia ser uma boa inspiração para um belo, doído, chorado tango argentino.



   
 
 
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