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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
UMA PÁTRIA, ETERNA COMO O POVO
   
A expansão da força econômica, militar, política e cultural das duas maiores potências do mundo - Estados Unidos e China - sustenta a lenda de que, no futuro, os habitantes do planeta estariam todos condenados a falar a língua de um ou de outro. O maior número de falantes hoje realmente se comunica em mandarim (885 milhões) ou inglês (322 milhões), pouco mais de um bilhão na Terra de 7 bilhões de seres e 6.700 línguas diferentes cada vez mais conectados pela globalização e pela tecnologia.

As chamadas "línguas de ligação", que facilitam a ampla comunicação entre comunidades e regiões, incluem outros idiomas de forte expressão: árabe, bengali, espanhol, francês, híndi, malaio, russo e até o português. Essas seleções linguísticas estão alicerçadas na expressão político-econômica dos povos falantes, em seu avanço científico-tecnológico e em seu patrimônio turístico-cultural. O crescimento populacional e a expansão territorial dos falantes também são boas razões, como no caso dos mais de 44 milhões de hispanos falantes nos Estados Unidos, hoje cerca de 15% da população.

Este mundo multifacetado garante a diversidade da fala. O mundo hoje tem mais indivíduos bilíngues do que monolíngues. Governos autoritários, que buscam um Estado forte pela adoção de uma única língua nacional, insistem de forma obtusa em políticas educacionais que tentam impor a regra impossível do monolinguismo. Sob a ditadura de Franco, a Espanha tentou santificar a língua de Castela como o único idioma. Mas os espanhóis agora adotam como línguas co-oficiais, além do castelhano, o catalão, o basco e o galego, tendo também o asturiano e o extremenho como línguas não oficiais. Um de cada quatro países do mundo adota hoje duas ou mais línguas oficiais - entre eles o Canadá, Bélgica, Índia, Luxemburgo, Suíça e Nigéria.

O inglês conquistou o mundo nos últimos dois séculos e meio. Primeiro, pela onipresença da Union Jack, a bandeira do Reino Unido que tremulava em todos os continentes impondo a força e a língua no auge de um império (século 19) em que o sol nunca se punha. Depois, pela força militar e econômica dos Estados Unidos, que emergiram da II Guerra Mundial como a maior potência do mundo que derrotava o nazifascismo. Apesar disso, os linguistas lembram que não há um único English nem entre os países anglofalantes, como os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Austrália. Existem diversos Englishes pelo mundo, entre eles o inglês indiano e o inglês nigeriano.

O mesmo fenômeno aconteceu, também, num império bem mais antigo: Roma. Durante os cinco primeiro séculos depois de Cristo, os Césares levaram suas legiões, sua dura lex, sed lex e seu latim a um território de 6,5 milhões de km², que no auge da expansão (117 d.C) unia toda a Europa e a bacia mediterrânea da África e da Ásia. Ou, como descrevia com magistral elegância o historiador britânico Edward Gibbon, "no segundo século da era cristã, o império de Roma abrangia a mais bela parte da terra e o segmento mais civilizado da humanidade".

O latim ali disseminado até a deposição do último César (Rômulo Augusto, em 476 d.C) deu origem a diversas línguas românicas, entre os quais o espanhol, o português e o próprio italiano. Em outros idiomas não é diferente. O árabe, língua litúrgica do islamismo, é falado em diferentes variedades em 22 países. O árabe marroquino é distinto do árabe saudita ou do árabe tunisiano. Alguns são ininteligíveis entre si, o que pode explicar tanta violência política e religiosa.

O dominador acende a resistência do dominado, e a língua é sua expressão de luta. Ao mesmo tempo em que, a partir dos anos 1980, o inglês se firmou como a língua da globalização na era do computador, as minorias linguísticas em quase todos os continentes passaram a demandar direitos linguísticos. No País de Gales e em Israel, houve o revival do galês e do hebraico. Estudos sociolinguísticos recentes observam que o impacto cultural da globalização trouxe, simultaneamente, um processo de homogeneização e de fragmentação no cenário das línguas. O global força a competição do regional, que (re)afirma sua identidade e, de volta, influencia o global.

Na França do refinamento gastronômico, a invasão do Big Mac só foi consentida quando o fast food do MacDonald's concordou em melhorar sua insossa receita planetária de cheeseburger com a adição do legítimo e perfumado queijo francês. E o dogma antialcoólico da Disney teve que ser revogado, em Paris, para admitir no EuroDisney a venda sem restrições de sua festejada bebida nacional: o vinho.

Durante a Segunda Guerra Mundial, no Brasil da ditadura de Getúlio Vargas, foram banidas as línguas dos povos do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em todas as escolas de comunidades transplantadas. Línguas como o polonês, confundidas com o alemão, foram também proibidas. Ainda hoje elas sobrevivem com força nas colônias de descendentes, como o alemão do vale catarinense do rio Itajaí, o italiano da Serra gaúcha, o japonês do bairro paulistano da Liberdade.

Hoje, apesar do português como língua oficial, o Brasil registra cerca de 200 línguas faladas por índios. Só nos 33 mil m² do Parque do Xingu, em Mato Grosso, a maior reserva indígena do mundo, fluem 17 línguas distintas faladas por 6 mil índios de 14 etnias diferentes. Como traço da identidade social de um povo, a língua só desaparece com ele. Quando um vive, o outro sobrevive. E a língua se transforma, como o povo que a mantém viva.

"Minha língua é minha pátria", dizia o português Fernando Pessoa (1888-1935), o poeta que continua vivo e grandioso nas línguas de todas as pátrias. Até mesmo em inglês e em mandarim.



   
 
 
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