Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
O desafio de uma terra rica e um povo pobre
Angola é o resumo mais completo da África, um continente rico (1/5 da superfície seca do planeta) com o povo mais pobre (1/7 da população) do mundo. Com seus 16 milhões de habitantes e brutal desigualdade social, Angola está encravada entre os dez países mais miseráveis da Terra, todos africanos, alguns vizinhos próximos, como Burundi e Zimbábue. É favorecido pela natureza, que lhe garante riquezas naturais invejadas, e desgraçado pela mão do homem, que ali plantou algumas das misérias mais desprezíveis da história moderna.
Angola é a terra dos paradoxos. O país com 1,2 milhão de km², duas vezes o tamanho do Texas e cinco vezes mais extenso do que o Reino Unido, atravessou a primeira década do século 21 com a maior taxa de crescimento mundial do PIB, uma incrível média de 11%. Bateu em espantosos 20% em 2005 e em 2007. Mais de 90% de sua força econômica brota do subsolo, na forma de petróleo, diamante, ferro, manganês, fosfato, gás natural, urânio. A costa abençoada de Cabinda, no Atlântico, conhecida como 'o Kuwait da África', garante 2/3 de sua produção de petróleo, tornando Angola o 15º maior produtor mundial (2 milhões de barris diários) e o oitavo maior exportador do mundo (1,9 milhões de barris/dia), à frente de gigantes como Iraque, Venezuela e Líbia.
Suas imensas reservas são estimadas em 5,8 bilhões de barris - mais da metade do pré-sal brasileiro, escondido a sete quilômetros de profundidade, que só será alcançado em 2016, a um custo de US$ 600 bilhões. Já o petróleo angolano, um óleo leve, com baixo teor de enxofre e excelente qualidade, atraiu gigantes como BP Amoco, Chevron, Exxon, Petrobras e outras 20 petroleiras que prometem irrigar o país com US$ 19 bilhões nesta década.
A China abriu a mão, em 2004, para oferecer uma linha de crédito de US$ 2 bilhões, substituindo o FMI como maior braço de reconstrução do país. Não por acaso, Angola acaba de fechar o primeiro trimestre deste ano como o segundo maior fornecedor de petróleo à China, com 9,5 milhões de toneladas vendidas entre janeiro e março, superada apenas pela Arábia Saudita e ultrapassando potências como Rússia (3º lugar) e Venezuela (4º). Hoje, 10% do petróleo consumido anualmente nos Estados Unidos vêm dos Estados Unidos.
O paradoxo é que, neste paraíso petroleiro, a maior parte da população, que sobrevive com menos de um dólar por dia, não tem renda para pagar o bujão de gás essencial para o consumo doméstico. No hospital público de Benguela (500 mil habitantes), a segunda maior cidade do país, quase todos os pacientes sofrem de um dos males crônicos da pobreza: tuberculose, cólera e desnutrição. Nove das dez camas do antigo acampamento de campanha, contaminado com amianto, estão ocupadas por tuberculosos. Dois terços das crianças adultas se tornam adultas com apenas quatro anos ou menos de escola, o analfabetismo (50% para homens, 70% para mulheres) é elevado até para os padrões africanos.
Em 2008, Angola tinha a maior taxa de mortalidade infantil do mundo: 187 a cada 1.ooo nascimentos. A expectativa média de vida não superava 31 anos. O atraso tem a digital do Brasil, que no século 16, muito antes do petróleo e do diamante, concentrava ali sua cobiça pela maior riqueza da terra: a mão de obra escrava. Durante dois séculos, o Brasil sustentou um vergonhoso tráfico negreiro que importou 4 milhões de negros da África, boa parte deles de Angola. Quarenta por cento morriam ainda no interior, de maus tratos, antes mesmo de embarcar no porto de Luanda. Mais 10% morriam na dura travessia de dois meses do Atlântico. Em 1817, o Brasil tinha 3,6 milhões de habitantes e 1,9 milhão de escravos, ou seja, mais da metade da população. Em 1850, esse número pulou para 3,5 milhões.
O brutal contraste de um país tão rico e um povo tão pobre desponta na capital, Luanda (5 milhões de habitantes), a terceira maior cidade lusófona do mundo, logo atrás de São Paulo e Rio de Janeiro. Mansões imponentes margeiam o belo setor litorâneo da Ilha de Luanda, o bairro boêmio, onde as 30 famílias mais ricas do país e a classe média dos condomínios fechados ostentam sua opulência, frequentando restaurantes exclusivos que cobram R$ 80 por uma lagosta. Em torno, na periferia, vive a esmagadora maioria dos pobres e desempregados que continuam escravos da miséria, vivendo de biscates ou pequenos assaltos nos semáforos.
A situação já foi pior na guerra que assolou Angola durante os últimos quarenta anos do século 20. A primeira fase, do conflito contra o poder colonial do salazarismo de Portugal, aconteceu entre 1961 e 1974. A segunda, entre 1975 e 2002, foi uma guerra civil que dilacerou o país com um milhão de mortos e quatro milhões de refugiados.
No auge da Guerra Fria, Angola foi um campo de batalha de uma 'guerra quente' que envolvia organizações marxistas, guerrilheiros cubanos, assessores da CIA e grupos financiados pelo apartheid sul-africano. Pela esquerda, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) apoiado pela União Soviética e Cuba combatendo pela direita a UNITA teleguiada pelos Estados Unidos. O saldo brutal desta guerra de 27 anos foi a plantação de campos minados numa extensão de 1.400 km², o equivalente à área da cidade de São Paulo, que garantiu ao país o maior índice mundial de pessoas mutiladas por minas - uma para cada 133 habitantes.
A guerra acabou graças a uma morte, a do líder da UNITA, Jonas Savimbi, em 2002. A paz permitiu que o país se voltasse à exploração de seus recursos para tentar superar o fosso da desigualdade. A capital inchou, ao longo da guerra, com os refugiados que fugiam das frentes de batalha no interior. O país pacificado ganhou um Exército regular de 120 mil homens, um terço do efetivo terrestre brasileiro. A opulência do petróleo gerou uma desigual demanda que insuflou o custo de vida, tornando Luanda uma das cidades mais caras do mundo.
Com os petrodólares e a economia irrigada, a corrupção se juntos aos males endêmicos do país. Entre 2007 e 2010, um relatório da Human Rights Watch apurou que US$ 32 bilhões evaporaram das contas do governo. A ONG Transparência Internacional classificou Angola como o 34º país mais corrupto do mundo entre 180. Nesta terra, abençoada pelos deuses Bantus, rica e bonita por natureza, apesar de tudo, tudo ainda pode dar certo. Basta que os homens não atrapalhem.