HomeBiblioteca/LivrosDoutrinaVídeo AulasMemória Digital
Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
O HOMEM DE FERRO PRIVATIZA O ESPAÇO
   
Parecia uma produção de ficção científica de Hollywood - mas era tudo verdade. A nave espacial Dragon, um artefato em forma de sino com 3,5 metros de diâmetro e 4,5 m de altura, manobrou suavemente a 385 km da superfície terrestre, apesar da velocidade de 28 mil km/h, e acoplou no último dia 22 de maio com a Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês). Levava a bordo 600 kg de suprimentos e equipamentos científicos, além das cinzas do ator James Doohan, o personagem do engenheiro Scott da série Star Trek.

Ficou ali atracada durante cinco dias e 16 horas, até começar sua viagem de volta com 600 kg de lixo espacial, amerrisando mansamente na quinta-feira, 31 de maio, com seu duplo paraquedas de 35 metros de diâmetro cada, nas águas revoltas do Pacífico, 900 km a oeste da costa da Baixa Califórnia. É uma data para entrar na história, como o início da privatização da exploração espacial. Pela primeira vez, um nave espacial não tripulada, concebida, construída e operada pela iniciativa privada, completou a missão de ida e volta entre a Terra e a Estação Espacial.

A NASA, desta vez, só entrou com a base de lançamentos em Cabo Canaveral, na Flórida. O resto da façanha cabe a um ousado jovem de 40 anos, Elon Musk, que nasceu dois anos depois que o primeiro homem, Neil Armstrong, botou o pé na Lua, em julho de 1969. Sul-africano de nascimento, casado duas vezes, cinco filhos, Musk tinha 11 anos quando criou seu primeiro game, vendido por US$ 500. Formado em economia e física nos Estados Unidos, desenvolveu lá um portal de notícias que vendeu em 1999 à Compaq por US$ 307 milhões. Milionário aos 28 anos, decidiu investir seus sonhos em energia alternativa. Uma fábrica de carros elétricos em 2004, a Tesla, uma indústria de painéis solares em 2005, a SolarCity, até se tornar dono da única empresa privada a colocar um satélite em órbita: a Space X, construtora do satélite Dragon.

Sua imagem dinâmica inspirou Hollywood a criar o personagem Tony Stark, o bilionário aventureiro que o ator Robert Downey Jr. encarna nas duas versões do Homem de Ferro. A mística férrea de Musk começou em dezembro de 2010, quando entrou em órbita, pela primeira vez na história, uma espaçonave comercial. A primeira cápsula Dragon deu duas voltas em torno do planeta até pousar no oceano, ao largo da costa mexicana, 3 horas, 19 minutos e 52 segundos depois - um atraso desprezível de 52 segundos em relação ao plano original. Uma façanha técnica que impressionou os técnicos experientes da NASA, que imaginavam ter o monopólio da precisão da indústria espacial. A eficiência era tanta que, já no voo inaugural, a Space X colocou em órbita oito pequenos satélites, incluindo um artefato secreto do Exército para novos equipamentos de comunicação.

Este é um marco para a indústria espacial americana, já que os Estados Unidos ficaram a pé, desde a aposentadoria em 2011 dos ônibus espaciais da NASA. Agora, para trocar as equipes de astronautas americanos da Estação Espacial, a NASA precisa de uma humilhante carona da base russa de Baikonur, de onde são lançadas as naves Soyuz que fazem a ligação com a Terra. O problema é o preço da bandeirada: cada viagem de astronauta custa US$ 60 milhões aos contribuintes americanos, uma tarifa salgada para uma economia ainda traumatizada pela turbulência de 2008.

Como nos filmes de aventura, surgiu o super-herói Elon Musk, que ganhou um contrato de US$ 1,6 bilhão da NASA para preparar 12 voos de carga nos próximos quatro anos. Outra empresa privada, a Orbital Sciences Corp, deve lançar sua nave cargueira, com base num contrato de US$ 1,9 bilhão. Além da SpaceX, a gigante aeroespacial Boeing, a Blue Origin e a Sierra Nevada estão recebendo recursos da NASA para desenvolverem sistemas que possam substituir os ônibus espaciais. Em 2011, a agência distribuiu quase US$ 270 milhões para as quatro concorrentes e até o fim deste ano deverá conceder outros US$ 500 milhões em financiamentos.

Se tudo ocorrer bem neste voo não tripulado e em outros, dentro de cinco anos naves comerciais podem se tornar o transporte de astronautas. Uma mudança que vem sendo trabalhada desde o meio da década passada, quando o presidente americano George W. Bush decidiu aposentar os ônibus espaciais e focar a atenção da NASA no espaço sideral. Este programa espacial, vigente durante três décadas e o projeto mais duradouro da NASA nos 50 anos da agência, custou aos cofres do país US$ 208 bilhões, mais do que os 151 bilhões gastos no Programa Apollo que levou Armstrong à Lua em 1969. O objetivo inicial do programa de ônibus, lançado pelo presidente Richard Nixon em 1972, era fazer dos voos espaciais uma possibilidade para pessoas comuns, não apenas para uma elite preparada.

A crise econômica foi mais decisiva para abortar a ideia do que os dois grandes acidentes com os ônibus espaciais Challenger (1986) e Columbia (2003), que explodiram no ar diante das câmeras de TV. Apesar da tragédia, o saldo é positivo para a humanidade, pois com eles foram possíveis reparos em órbita, a construção da imensa Estação Espacial e a montagem do Hubble, o poderoso telescópio astronômico em órbita que ampliou a visão do homem para fronteiras nunca imaginadas do Universo.

Quando o Estado atinge o limite estreito de seus orçamentos, é a iniciativa privada que amplia os horizontes do empreendimento humano. A cápsula Dragon, em futuro breve, estará levando mais do que 30 toneladas de carga útil para o espaço. Ela será redesenhada para transportar até sete astronautas. A entrada de empresas privadas nesse setor, antes rigorosamente estatal, permite redirecionar o foco da NASA para metas mais distantes e ambiciosas no sistema solar, deixando o entorno da Terra para empresas comerciais com fôlego e criatividade que o Estado já não possui. O projeto dos ônibus espaciais, por exemplo, já possui quatro décadas de vida, o que parece uma eternidade na indústria de alta tecnologia.

A cápsula Dragon foi toda concebida a partir do zero pela Space X, com os avanços nunca imaginados nos anos 1970, quando a Internet era ainda um projeto rigorosamente estatal, compartilhado com poucas universidades. O primeiro e-mail da história só ocorreria às 22h30 de 29 de outubro de 1969, numa conexão entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de Pesquisa de Stanford. Era uma única palavra, "LOGIN", mas a linha caiu quando foi transmitida a letra O.

Pelo fracasso na primeira tentativa, ninguém diria que hoje, no apogeu de uma Internet que parece ter fronteiras mais amplas do que o Universo, existam 2 bilhões de seres humanos, quase 1/3 da população mundial, conectados na grande rede. Dessa multidão, 420 milhões estão na Europa, metade dos habitantes do continente. O empreendedorismo do homem parece alcançar fronteiras que só o Hubble poderia vislumbrar. A NASA, tentando recuperar o fôlego para voos mais ousados no futuro, estima que uma primeira missão a Marte, o planeta mais próximo de nosso sistema solar, só poderia ocorrer dentro de três décadas, lá pelos anos 2040.

O atrevido Elon Musk duvida: "Trinta anos é uma eternidade. Estaremos em Marte dentro de dez anos", aposta. Com a frieza de matemático e a visão de físico, ele lembra detalhes que fazem parte do seu talento visionário: "Um quadrado com 128 km de lado, coberto com painéis solares, gera energia suficiente para abastecer todos os Estados Unidos".

Musk arrisca o palpite de que o homem pisará o solo do planeta vermelho lá pelo ano 2022. Não esclareceu se será antes ou depois da Copa do Mundo que a FIFA marcou para aquele ano no Catar. Mas convém não duvidar do Homem de Ferro da Space X.



   
 
 
© - 2009 www.fundacaoalvarovalle.org.br - Todos os direitos reservados
Tel.: - (61) 32029922