Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
O presidente Hugo Chaves, que acaba de anunciar que está totalmente curado do câncer, confirmou sua vinda ao Rio de Janeiro no próximo dia 31, quando será resolvido o impasse da entrada da Venezuela no Mercosul.
Vencida a doença, depois de uma longa e demorada luta, Chavez se prepara agora para outra, no campo político, que é a grande resistência de alguns setores político-econômicos da região, contra a entrada da Venezuela.
No dia 29 de junho, durante a cúpula do bloco, em Mendoza, na qual o Paraguai foi suspenso do bloco até as eleições previstas para 2013, os presidentes resolveram agregar o novo país ao grupo regional e definiram que sua incorporação será concretizada na reunião especial do Rio de Janeiro. Por isso a reunião deverá provocar polêmicas acirradas.
Por sua vez o Governo de Chávez aplaudiu o ingresso devido às possibilidades de industrialização do país e o barateamento das importações, mas alguns setores produtivos que atendem parte da demanda nacional, entre eles os produtores de aves, temem a entrada em massa de produtos e serviços na Venezuela, principalmente da Argentina e do Brasil.
No encontro, a política econômica de Hugo Chávez deverá ser duramente criticada. Isto porque especialistas questionam como será possível conciliar as regras de um bloco de livre comércio com o cenário de câmbio fixo, preços controlados e participação escassa de empresas privadas na economia.
Segundo o analista venezuelano Carlos Romero, a política econômica de Chávez está fundamentada em três elementos contrários aos princípios do Mercosul: uma economia ancorada em compras governamentais, controle de preços e sem muito espaço para empresas privadas.
Romero diz ainda que as atividades podem sofrer mais com as mudanças que incluem a área de alimentos processados, indústria química e materiais de construção, afetadas pelos preços artificiais e pela taxa de câmbio imposta pelo governo.
Para o analista, o objetivo de Chávez ao lutar pela entrada da Venezuela no bloco, é aumentar a capacidade de compras de bens finais do Brasil e da Argentina. A escassez de alimentos e de bens de consumo já é uma realidade crônica no país, onde já foi registrada neste ano falta de carne, azeite e de outros produtos da cesta de consumo.
E apesar das divergências no campo diplomático, os Estados Unidos ainda são o principal parceiro comercial da Venezuela em importações, seguidos por Colômbia, Brasil e China, O governo quer diversificar a origem dos produtos e reduzir a dependência dos EUA. A lista de produtos comprados do Brasil de janeiro a junho deste ano confirma essa expectativa, com ampla presença de alimentos como carne bovina desossada, frango, milho e soja.
No Tratado de Assunção, documento que marcou a criação do Mercosul, os sócios se comprometeram com "a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países por meio da eliminação dos direitos aduaneiros e das restrições relativas à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida equivalente".
Os críticos acrescentam que o Mercosul, que já estava em uma situação complicada, com a entrada Venezuela deve ficar ainda mais difícil. Na opinião de analistas da FGV Management a política protecionista de Chávez só tornou o país mais dependente do petróleo e no médio e no longo prazo representará uma política de atraso para o país.
As vendas da indústria petrolífera para outros países representam 95% da receita de exportações venezuelanas. Nas transações comerciais com o Brasil, por exemplo, o nafta (derivado de petróleo) para a petroquímica representou, de janeiro a junho deste ano, mais da metade das vendas.
Mas o principal entrave para as negociações não é a concentração da pauta de exportações, mas os desafios impostos pelo câmbio fixo, que limita a entrada de divisas e restringe as importações.
Somente neste ano, o Bolívar já sofreu a maior desvalorização desde 2010, quando Chávez resolveu extinguir o mercado paralelo de dólares para combater a inflação em alta e o uso potencial para lavagem de dinheiro. A cotação para compras essenciais foi fixada em 4,3 bolívares.
Um dos maiores opositores de Chavez é o vice-presidente uruguaio, Danilo Astori que voltou a criticar duramente a decisão do presidente José Mujica de aceitar a entrada da Venezuela no Mercosul sem a aprovação do Paraguai, Em artigo publicado no portal Unypress de Montevidéu, Astori considerou negativo para a região, para o Uruguai "e inclusive para a Venezuela" sua entrada no Mercosul "decidida na cúpula realizada em Mendoza pelos presidentes de Argentina, Brasil e Uruguai, desconhecendo a institucionalidade vigente".
Em tom fora de seu padrão, o vice-presidente uruguaio, responsável pela equipe econômica do governo uruguaio e que foi rival de Mujica nas eleições internas da Frente Ampla, anteriores às eleições gerais de 2009, considerou necessário expressar sua contrariedade por esta decisão e reafirmou que ela representa a "ferida institucional" mais grave sofrida pelo Mercosul em sua história. Astori perguntou em seu artigo o que aconteceu durante a Cúpula de Mendoza para que Mujica mudasse a posição contrária da delegação uruguaia "até o último momento" em relação à entrada da Venezuela sem a votação do Parlamento paraguaio.
O vice-presidente insistiu que a resolução dos presidentes "pode ter grandes consequências no futuro", como deixar uma "institucionalidade tão fraca a ponto de não servir para nada".
Assim, Astori destacou que "o enfraquecimento da institucionalidade do Mercosul" só favorece "a seus adversários", que "por razões políticas e ideológicas estão contra o projeto e um processo de integração latino-americana mais ampla".
"Não é um capricho formal, não há nenhuma contradição entre a legalidade e a política. Ao contrário. O que é bom lembrar - porque tem a ver com as profundas definições democráticas da esquerda - é que não se pode e não se deve subjugar a lei pela política", destacou.
Na semana passada, o presidente Mujica respondeu às primeiras críticas de Astori dizendo que seu vice está equivocado ao dizer que a entrada da Venezuela é uma "ferida letal" para o bloco. "Não é nada letal; letal é como estávamos antes. Faz 20 anos que dizemos que o Mercosul não avança e, se não avança, é preciso mudá-lo. Queremos um Mercosul para continuar criticando-o? Não", disse o líder.
Prestes a completar 20 anos, o Mercosul vive momentos de indecisão sobre a inclusão da Venezuela no bloco. A questão divide opiniões de parlamentares e especialistas. As principais polêmicas relacionam-se ao presidente Hugo Chávez.
Atualmente, a inclusão depende apenas do parlamento paraguaio, já que os congressos dos outros três países se posicionaram a favor do protocolo assinado em julho de 2006. O processo, em cada um dos países, teve sua dose de debates acalorados. No Brasil, o Legislativo concluiu apenas em 2009 a votação da entrada venezuelana.
Para o ingresso de novos membros do Mercosul, além do Protocolo de Ushuaia, é necessário que o país incorpore o Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e o Protocolo de Olivos para Solução de Controvérsias, que regem o Mercosul. Também é necessário que se adote a Tarifa Externa Comum (TEC), que define impostos de importação comum entre os membros do bloco para produtos de outros países. E isso se constitui em outra barreira a ser vencidas por Chavez. Os analistas lembram que a Venezuela sempre se mostrou resistente à adesão e a não adaptação de seu comércio exterior à realidade econômica e social do Cone Sul.