Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
O Prêmio Nobel da Paz de 2012 foi conferido à União Europeia. A informação foi divulgada em Oslo pelo Comitê Nobel da Noruega. O júri destacou em sua decisão, as conquistas do bloco para "o avanço da paz e a reconciliação na Europa, assim como para o estabelecimento da democracia e dos direitos humanos no continente".
Segundo o presidente do Comitê Nobel, ThorbjoernJagland "a UE e as instituições que precederam sua formação contribuíram durante mais de seis décadas para a paz e a reconciliação, a democracia e os direitos humanos". E Jagland prosseguiu: "Durante um período de 70 anos, Alemanha e França se enfrentaram em três guerras (1870, 1914-18 e 1939-45). Hoje em dia, uma guerra entre os dois países é impensável". E acrescentou: "Isto demonstra como, através de um esforço bem encaminhado e da construção da confiança mútua, inimigos históricos podem virar sócios próximos".
Mas apesar da justificativa do júri ao conceder prêmio, o futuro da UE é imprevisível, segundo os cientistas políticos que analisam o bloco. Isto porque, em primeiro lugar, seria necessária uma mudança radical de sua estrutura econômica, coisa que os líderes da corrente neoliberal não querem ouvir falar.
Para esses analistas o Nobel provoca certa controvérsia por causa do papel da União Europeia no âmbito diplomático, no momento em que o bloco tenta reforçar o papel para derrubar o regime de Bashar Al Assad, ditador da Síria e impedir o programa nuclear do Irã.
Richard North, um ex-deputado europeu é coautor de um livro intitulado, "The Castleof Lies: WhyBritain Must Get Out ofEurope." Em artigo do Harald Tribune , o autor profetiza o fim, provavelmente próximo, da União Europeia.
Sobre o prognóstico, questiona: "Absurdo? Acho que não. Muita gente vê com agrado ou temor que a União Europeia não deve durar muito tempo. Desde Jacques Delors, que dá 50% de probabilidades de sobrevivência à UE, até Milton Friedman, Prémio Nobel a Economia que dá só alguns anos de vida ao Euro.
No artigo North vê três causas imediatas para o colapso da UE:
a) A instituição do Euro, uma moeda sem nenhum governo que a suporte e defenda;
b) A Constituição que, mesmo que seja ratificada pelos 25 estados, vai encerrar conflitos e ideologias que de nenhuma forma resolve, nem ultrapassa, antes pelo contrário;
c) O alargamento que, ao aceitar dentro da União países e economias diversificadas, criando tensões que acabarão por cindir a UE na "velha Europa" e na "nova Europa" como diz Rumsfeld.
Para alguns analistas o artigo aborda temas instigantes, como por exemplo, o fato dos novos membros serem tratados como países de segunda classe, sem sequer ter o direito aos mesmos subsídios da PAC como os antigos estados membros. Segundo eles, pode-se concluir que, a probabilidade da UE (e o Euro) se desfazerem num prazo mais ou menos curto, é real.
Os líderes do continente, entretanto, fizeram questão de demonstrar, através de notas oficiais, sua satisfação com a outorga.Angela Merkel, chanceler da Alemanha, destacou que " o prêmio é um reconhecimento do trabalho desenvolvido pela UE, graças ao qual foi conseguido preservar sua unidade, sua capacidade de promover, o emprego e a solidariedade com seus membros."
Já François Hollande, presidente da França, declarou: "A União Europeia desempenhou um papel vital na cura das feridas da história e na promoção da paz, da reconciliação e da cooperação na Europa. A União Europeia é um parceiro único e essencial para a OTAN. Espero com interesse o fortalecimento de nossa associação estratégica, segundo o estipulado pelas duas organizações, para promover a paz, a estabilidade e a segurança."
Segundo Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, "reconciliação é exatamente o que é a União Europeia. O prêmio vai servir de inspiração. A UE é um projeto peculiar, que substituiu a guerra pela paz, o ódio pela solidariedade. É uma grande honra para toda a União Europeia e para seus 500 milhões de cidadãos."
E José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia declarou: "A Europa superou duas guerras civis no século XX, e construímos e mantemos a paz graças à União Europeia. Portanto, o bloco é o maior construtor de paz da história e o Nobel premiou isto."
Rui Henrique Ribeiro Rodrigues Alves, licenciado em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Mestre em Economia com especialização em Economia e Finanças Internacionais pela mesma instituição, é autor de um trabalho intitulado " O futuro da União Europeia: organização econômica e política no contexto dos desafios pós-euro".
Para o professor "a atual situação como os déficits da (UE), a falta de competitividade, crescimento e emprego, de peso político, de participação e legitimidade democrática e de capacidade de decisão e ação e o atual modelo de organização política, institucional e econômica da União, indicam uma profunda necessidade de mudança no bloco".
As críticas à UE começaram em 1992, logo após o anúncio de sua criação. O escritor marxista José Saramago, em palestra feita neste ano, já indagava: Quem é o patrão da Europa?
E ao longo da conferência destacava: "Esse tema, Ibéria e Ibero América, eu não o trouxe de Portugal. Fui convidado a integrar o júri do prêmio Casa das Américas. Na realidade vou pensar um pouco em voz alta sobre algumas coisas que por estarem longe podem chegar aqui tão deformadas como muito do que tem a ver como Cuba chega à Europa".
E prosseguiu:
"Penso que não se pode falar de Ibéria. Existe a península ibérica: dois estados, distintas nacionalidades. Mas, seria um erro pensar Ibéria fora do contexto da Europa. Porque agora que os europeus estão, segundo a fórmula consagrada, construindo a Europa, cada vez mais se apresentam os problemas e dúvidas sobre o futuro A Comunidade é o conselho de administração de uma grande empresa chamada Europa, que tem produtores que são consumidores, consumidores que são produtores e tudo isso planificado.
A distribuição das tarefas, incumbências e obrigações é determinada por esse conselho. A comunidade decidiu, por exemplo, que 75% da superfície florestal de meu país será destinado à plantação de eucaliptos. Nós não decidimos. Foi decidido por uma potência supranacional. E decidiu sobre algo que até agora teria a ver com o que chamamos de soberania nacional. O mais interessante, porém, é o seguinte: o que antes parecia ligar-se apenas à economia, está se transformando em solução política para a Europa".
E Saramago concluiu:
"O mais importante - e eu diria, o mais trágico - é que se tira dos povos o direito de decidirem sobre o seu destino. Claro que nada no mundo é definitivo, e os povos sempre encontram as soluções melhores para os seus problemas. Mas o problema da hegemonia, que parecia resolvido com a comunidade, não está. O que está ocorrendo agora é o surgimento da potência europeia do futuro, que será outra vez a Alemanha. A Europa será o que Alemanha decidir".