Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
Uma mulher domina hoje o cenário político e econômico da Europa, cujas ações têm reflexos imediatos no resto do mundo: Angela Merkel, Chanceler da Alemanha desde 2005 e líder do partido União Democrata-Cristã (CDU) desde 2000. Filha de Horst Kasner, um pastor luterano e de Herlind Jentzsch, professora de inglês e latim, acompanhou o pai na sua ida para a Alemanha Oriental, quando este foi dirigir a paróquia da pequena cidade de Templin, onde Angela cresceu. O sobrenome de Merkel foi recebido do seu ex-marido Ulrich Merkel, que é também um físico. Na véspera da visita que fez a Portugal, para discutir a dívida do país, a jornalista Rosa Ramos, em um artigo de título jocoso,("Filha do pastor alemão que virou rottweiler"), traçou um perfil da Chanceler, citando um dos seus biógrafos, Dirk Kurbjuweit, que a descreveu como uma mulher "fria e capaz de deixar qualquer um embaraçado".
E a jornalista continuou: "Os empresários portugueses com quem vai se reunir no Centro Cultural de Belém não devem esperar quaisquer tipos de facilidades". E lembra outra viagem que a Chanceler alemã fez em outubro, quando foi recebida pelos principais homens de negócios gregos, em Atenas. A certa altura, Angela Merkel, enfadada, interrompeu o discurso do presidente da Federação das indústrias, de forma direta e seca: "Muito bem, já sabemos isso tudo, agora vamos diretos ao assunto".
Eleita por três vezes pela revista Forbes como a mulher mais poderosa do mundo, Angela Merkel, tem o futuro da Europa nas mãos. E recebe o apoio da maioria dos eleitores de seu país, que não querem ouvir falar em socorrer economicamente os países endividados da UE (leia-se, Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal). Na qualidade de maior país credor, a Alemanha detém a chave para resolver a crise da dívida da zona euro. É quem determina qual a direção que a União Europeia deve tomar. E, neste momento, a Europa toma um rumo que pode lhe desviar do liberalismo econômico, arriscando-se a uma cisão que, em última instância, pode até mesmo provocar a saída dos britânicos.
Seus biógrafos são unânimes em afirmar que Angela Merkel não teme afrontar seja quem for. Segundo o "Der Spiegel", fez duras críticas em público ao presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, de quem é amiga, por ter defendido um reforço para o Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Em um livro lançado recentemente na Alemanha, chamado "Die Patin" ("A madrinha"), Angela Merkel é comparada "a uma versão feminina do líder da máfia Don Corleone", pela autora, Gertrud Höhler, de quem foi amiga. No livro Gertrud conta como Merkel se incompatibilizou com ela, do nada, no meio uma cerimônia, depois um discurso de homenagem. "Em vez de me agradecer, começou a falar comigo num tom ríspido, tentando me inferiorizar, como se não tivesse aprovado alguma coisa que eu tivesse dito", revelou a escritora. O livro conta como Merkel tem tecido uma estranha teia de poder, isolando toda e qualquer voz crítica a sua atuação, dentro do partido.
Angela chegou ao poder pela mão do antigo presidente Helmut Kohl, que confiava nela e a chamava de "a minha garota", título que, por sinal, odiava. No final de 1990, Kohl convidou-a para integrar o seu gabinete. "Ele foi o homem que explicou o mundo a Angela Merkel", escreveu um analista da revista "New Yorker" em 2005. Mais tarde, foi promovida a Ministra das Mulheres e da Juventude e em 1994 assumiu o Ministério do Ambiente, tendo tido um papel de destaque nas negociações do protocolo de Quioto. Mas, em 1999, quando Kohl foi apanhado numa perigosa teia relacionada com o financiamento do partido, Merkel foi uma das primeiras seguidoras a abandonar o barco. Chegou até a escrever uma carta aberta na imprensa defendendo um novo começo para a União Democrata Cristã (UDC). Começo este que não poderia dar espaço ao antigo líder.
Na Alemanha seus opositores lhe chamam de "die frau nein" (a senhora não) por usar, sempre que pode, o poder de veto para impedir decisões que lhe possam vir a causar embaraços. Antes dos encontros de líderes, prepara as decisões finais em casa. Sabe-se que até costuma discutir antecipadamente alguns pontos com o presidente francês ou com um ou outro governante. Mas na maioria das vezes já leva as decisões tomadas.
Na vida pessoal, Angela não é muito diferente. Conheceu o primeiro marido quando estava fazendo o curso de mestrado em Física Quântica (mais tarde doutorou-se na mesma área). Casou com Ulrich Merkel, quando tinha 23 anos, mas a união não durou nem cinco anos e o divórcio aconteceria em 1982. O marido contou publicamente que um dia, do nada e sem qualquer explicação, Angela decidiu sair de casa. Levou apenas a geladeira e nunca mais se falaram. "Arrumou as coisas e pura e simplesmente foi-se embora", contou Ulrich. Pouco tempo depois de tê-lo deixado, Angela conheceu o segundo marido, Joachim Sauer, um professor da Academia de Ciências de Berlim que era casado e tinha dois filhos. Casaram em 1998 e, segundo consta, Angela leva--lhe todos os dias o café na cama.
Segundo o jornal "Der Spiegel" a chanceler alemã é um poço de surpresas. Chegou a trabalhar numa discoteca enquanto fazia o doutoramento. Gosta de cozinhar e, conforme contou outro de seus biógrafos, Gerd Langguth, tem um sentido de humor refinado e jeito para imitações. Consegue reproduzir na perfeição o sotaque de um professor tcheco que teve na infância, imita diálogos que teve com Obama e os tiques de Sarkozy. Provavelmente, até já terá apanhado o timbre de voz de Vítor Gaspar, Ministro das Finanças de Portugal.