Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
Com a Venezuela vivendo hoje um clima de incertezas com relação ao seu futuro, provocado pela doença do presidente Hugo Chaves e as dúvidas quanto ao seu retorno ao cenário político, o Bolivarionismo, doutrina baseada na trajetória de Simon Bolívar, que liderou as lutas contra o domínio espanhol no Novo Mundo, o que lhe valeu o título de "El Libertador", ressuscitada por Chávez como "Socialismo do Século 21", volta a ser questionada.
E este questionamento gira em torno de um artigo escrito em 1858 por Karl Marx, intitulado "Bolívar y Ponte", onde o ícone maior da esquerda mundial relata "as falsas façanhas de El Libertador durante as guerras antiespanholas". Nele, Bolívar é descrito como "um falsário, desertor, conspirador, mentiroso, covarde, saqueador, etc". E Marx sintetiza, assim, suas críticas: "A força criadora de mitos, característica da fantasia popular, em todas as épocas, tem provado sua eficácia, inventando 'grandes homens'. O exemplo mais notável deste tipo é sem dúvida Simon Bolívar".
Mas enquanto figuras da esquerda latino-americana, como Che Guevara, saem na defesa de Simon Bolívar, sob a justificativa de que Marx teria incorrido em "um grande equívoco pelo desconhecimento da realidade latino-americana e até pelas compensações financeiras que os artigos lhes proporcionaram". Outros grupos, de formação nitidamente marxista, saem em defesa do filósofo.
A insuspeitíssima página WORLD SOCIALIST WEB SITE, publica um artigo intitulado "Hugo Chávez, Marx e o Bolivarianismo do século XXI" de autoria do cientista político Jair Antunes, professor Adjunto de Filosofia e História na Universidade Estadual do Centro-Oeste -UNICENTRO-PR e, entre outros títulos, membro do grupo de trabalho"Hegel e Marx e a tradição dialética" da Associação Nacional dos Profissionais de Filosofia (ANPOF), onde o Bolivarianismo também é dissecado.
Nele, o autor estabelece paralelos entre Bolívar e Chávez, principalmente com relação ao posicionamento com relação ao chamado imperialismo, ao afirmar: "As eleições do presidente Hugo Chávez na Venezuela, o qual está caminhando para um mandato vitalício e Evo Morales na Bolívia, o retorno do ex-líder sandinista Daniel Ortega para a presidência da Nicarágua, bem como a eleição de Rafael Correa no Equador, foram todas acompanhadas da retórica nacionalista para reverter o brutal e sangrento período de desagregação das economias latino-americanas das últimas décadas. Alguns dizem que a América Latina está realmente se movendo para a esquerda, para um novo tipo de socialismo, no entanto, em cada um destes países, o domínio do capital permanece intacto".
E Antunes prossegue: "Hugo Chávez, em particular, apresentou este movimento como uma continuação da velha cruzada de Simon Bolívar, El Libertador, que há dois séculos dizia tentar libertar a América Latina das garras da dominação imperialista, mas que na realidade lançou as bases para a dominação imperialista durante séculos". Marx acusou Bolívar de fazer um jogo duplo com a Espanha, a quem acusava de exploradora do Continente Americano.
E o artigo doWORLD SOCIALIST WEB SITE segue traçando um paralelo no mínimo desmoralizante, destacando: "Chávez e sua Revolução Bolivariana estão inteiramente amparados na altíssima demanda mundial por petróleo e gás, impulsionada em especial pelas guerras dos Estados Unidos no Oriente Médio. Neste sentido, George W. Bush não é, na realidade, o maior inimigo de Chávez, como ele afirma , mas, exatamente o contrário: foi graças à política militarista de Bush que Chávez conseguiu arrecadar dividendos fantásticos para a economia do país. Bush é, na verdade, se não o melhor amigo do seu governo, pelo menos seu maior parceiro nos negócios, pois, sem esta contraditória parceria, Chávez certamente não teria como implantar o enorme programa assistencialista de redução da pobreza e da miséria absoluta no país levado a cabo nos últimos anos. Este programa, no entanto, não significa nenhum desenvolvimento real da economia venezuelana como um todo, mas sim, um dos pilares fundamentais do bonapartismo de Chávez".
O oportunismo com que alguns governantes da América do Sul tem se utilizado para se manter no poder, através do Bolivarianismo, também é tema de discussão. Gustavo Henrique Lopes Machado, analista formado pela UFMC emilitante do PSTU (partido de extrema esquerda), em um dos seus artigos aborda assim a questão: "Atualmente, podemos constatar que a fábrica construtora de mitos continua ativa na América Latina, sobretudo, nos governos de viés nacionalista. Recentemente, o governo da presidente Cristina Kirchner na Argentina determinou por decreto uma revisão oficial da História de sua nação. Para tal, foi criado o Instituto Nacional do Revisionismo Histórico Argentino e Ibero-Americano Manuel Dorrego ligado à Secretaria Federal de Cultura. Este instituto tem por objetivo rever a história do país de maneira a contemplar o mito dos caudilhos e seus laços populares, assim como denunciar os liberais pelo projeto de incorporar a Argentina no capitalismo global como um sócio inferior no mercado agroexportador. Por exemplo, o ditador Juan Manuel de Rosas (1835-52), que promoveu verdadeiros genocídios contra os indígenas do sul da Província de Buenos Aires, será transformado em herói, enquanto o democrata Domingo Faustino Sarmiento é transformado em agente do imperialismo. Ao que parece, Cristina necessita de novos Bolívares".