Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
Dois anos depois dos primeiros protestos do movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe, os países do Oriente Médio e Norte da África atravessam um período de grande turbulência, pondo em risco a democracia prometida pelo processo revolucionário que atingiu países como Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Iêmen, Jordânia, Marrocos, Argélia, Bahrein e Omã. Nos três primeiros, as ditaduras foram derrubadas e novos governos emergiram por meio de eleições livres e democráticas. Nos demais, os rebeldes ainda buscam, de maneira mais ou menos intensa, mudanças em seus governos. Na Síria, a dura resistência do ditador Bashar Al Assad mergulhou o país num processo genocida. Após derrubar as ditaduras, Tunísia, Egito e Líbia enfrentam dúvidas em relação aos novos governos, onde os partidos fundamentalistas tem significativa maioria, se mostrando como um entrave ao processo democrático. E os mesmos grupos que ajudaram a derrubar as ditaduras, se voltam novamente conta os governos eleitos. E o medo de uma "islamização" destes países onde os partidos islamitas, como a Irmandade Muçulmana tem maioria política, reforça este quadro.
O Arcebispo de Kirkuk, no Iraque, Dom Louis Sako, tem alertado a Igreja para o fato do Ocidente, por sua mentalidade liberal, não entender os riscos da "Islamização" do Oriente Médio, cujo efeito negativo para a minoria cristã seria imprevisível. O Prelado advertiu que "existem forças islâmicas, grupos terroristas e movimentos que querem mudar o Oriente Médio, criando estados islâmicos, califados, onde reine a Lei Xaria (muçulmana)". E o Arcebispo acrescenta:
"Grupos radicais presentes no Iraque como Al Qaeda e AnsaralIslam estão ativos, pedindo aos cidadãos de outros países no Oriente Médio que ponham um forte componente muçulmano nos protestos de outros lugares como Tunísia e Egito. Há vozes que poderiam encontrar um campo fértil no Egito e outros lugares. Isso não pode ser menosprezado tampouco porque há poderes regionais cujos líderes definiram estes protestos como um despertar do Islã".
Desde o final de 2012, a agitação já deixou centenas de pessoas feridas de Túnis ao Cairo. Na província de Siliana, no norte da Tunísia, confrontos entre sindicalistas e policiais ocorridos durante dias, deixaram mais de 300 feridos. Os membros da maior organização sindical do país, UGTT, protestam contra a injustiça social e a brutalidade policial.
O então presidente Zine el-Abidine Ben Ali fugiu da Tunísia no início de 2011 e o partido islâmico Ennahda saiu vitorioso das eleições em outubro do mesmo ano. A sociedade tunisiana está cada vez mais polarizada desde então. William Lawrence, chefe do Departamento Norte de África da organização de pesquisa de conflitos "InternationalCrisisGroup", explica que "as duas principais forças políticas na Tunísia são o partido Ennahda, que venceu as eleições em outubro de 2011 e o sindicato UGTT, que desempenhou um papel importante na revolução". De acordo com o especialista, "é cada vez mais claro que a sociedade tunisiana está alinhada de um lado ou do outro. As coisas estão definitivamente ficando mais tensas na Tunísia estes dias", conclui.
RadwanMasmoudi, fundador e diretor do Centro de Estudos Islâmicos e Democracia em Washington e Túnis, também observa o aumento da distância e a polaridade entre os dois lados. "Os islamistas têm sofrido por 30 anos opressão, prisões, tortura. Os secularistas temem, agora que os islamitas ganharam a maioria no parlamento e que a Tunísia se torne islamizada, semelhante ao modelo iraniano ou ao modelo da Arábia Saudita".