Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
Jean-Paul Marat, um dos líderes da Revolução Francesa, em dois artigos em seu jornal incendiário "L'ami du Peuple"(O amigo do povo), dizia que "os verdadeiros líderes dos movimentos da multidão se mantem anônimos, não por vontade própria, só despontando na hora certa para ocupar a verdadeira liderança". Esta análise, feita por volta de 1783, para muitos cientistas sociais é válida para os dias de hoje, quando se faz uma análise dos movimentos da "Primavera Árabe", mais recentemente da Praça Taksim, em Istambul, na Turquia ou numa rápida análise do que está ocorrendo nas cidades brasileiras.
O ensaísta Tales Ab'sáber, professor de filosofia da psicanálise na Universidade Federal de São Paulo, em recente artigo intitulado "As manifestações e o direito à política", afirmou: "A crise universal produzida pelos ganhos desregulamentados de Wall Street, que liquidaram com a vida econômica e degradaram a vida social em vários países, dispararam outro processo mundial: o da desestabilização por movimentos populares de realidades políticas nacionais Em poucos anos, surgiram movimentos de massa, não esperados até o seu acontecimento, em países de capitalismo periférico.
No mundo árabe, incluindo o importante Egito, a armada Líbia e a guerra civil síria, apareceram movimentos ambíguos entre a modernização democrática liberal e uma possível islamização. A mobilização se deu como crítica vital à ordem capitalista avançada na Islândia, na Grécia, na Espanha e na Itália. E, recentemente, em outro quadro de razões, na Turquia. A partir da conquista social "anti-bancos", ganha nas ruas da pequena Islândia, países viram movimentos populares de massa buscarem definir diretamente os seus destinos, com esperança progressista. Na última semana, o Brasil adentrou o processo de retomada da expressão direta da vida cidadã, e a constituição da sua força acrescentou perspectivas ao sentido mais amplo, mundial, do movimento".
O especialista em redes sociais e criador da Escola de Redes, Augusto de Franco, analisando o fenômeno, explica: "A partir do estopim da Internet, as convocações deixaram de ser centralizadas, ocasionando um fenômeno denominadoa de swarming, ou "enxameamento" da população. No passado, havia assembleísmo, recrutamento para organizações hierárquicas, militantes obedientes às suas direções que atuavam como agentes no meio da massa para conduzi-la. Agora não temos rebanhos. Temos interativismo, no qual cada pessoa comparece nos seus próprios termos e desobedece aos que querem mandá-la, compondo uma espécie de sistema nervoso fractal de imensas multidões.
E temos a formação de um fenômeno chamado de enxameamento da população, ou swarming, que acontece quando distintos grupos e tendências, não coordenados explicitamente entre si, vão aumentando o alcance e a virulência de suas ações. E isso é bom, porque distribui a energia transformadora pela sociedade".
Dez manifestações populares por democracia marcaram o século 20 e estão marcando as duas primeiras décadas do século 21. O primeiro delas e com maior divulgação, pela força da mídia do país, foi o movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, campanha por direitos civis e igualdade para a comunidade afro americanas do país, tendo como principal líder Martin Luther King. Dois momentos-chaves na luta por direitos iguais foram a marcha sobre Washington, que reuniu mais de 250.000 pessoas, e a concessão do Prêmio Nobel da Paz a King em 1964, que ajudaram a trazer atenção mundial para a causa. Entre as principais conquistas da época estão a aprovação da Lei dos Direitos Civis, 2 de julho 1964, que estabelecia o fim da discriminação racial nas acomodações públicas, no emprego, na educação e no registro de eleitores, e o direito ao voto pelo negros do sul, em 1965.
O segundo grande movimento de massas levou o primeiro negro, Nelson Mandela, à presidência da África do Sul, depois de cumprir 27 anos de prisão, a continuar lutando pela derrubada do apartheid, regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994 no país pelo favorecimento de uma minoria branca e impondo restrições à população negra, com direito a massacres (em 1960, 67 negros foram mortos pela polícia), prisão de diversos líderes, como o próprio Nelson Mandela e Johnny Issel. Com o declínio do domínio dos brancos, as manifestações contra o apartheid foram intensificadas. Com a posse de Frederick de Klerk na presidência, em 1989, ocorreram várias mudanças. Sua política foi legitimada por um plebiscito só para brancos, 1992, no qual 69% dos eleitores (brancos) votaram pelo fim do regime de segregação.
O movimento Diretas Já no Brasil, entre 1983 e 1984, ocupa um lugar de destaque como uma grande manifestação popular que reivindicava a volta das eleições presidenciais diretas no país, há mais de 30 anos vivendo sob o regime militar. Dezenas de protestos aconteceram com a bandeira do movimento, mais foi a manifestação realizada em 16 de abril, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo, que entrou para a história. Cerca de 1.500.000 participaram do protesto pedindo a volta do regime democrático. Até hoje, essa é considerada a maior manifestação popular da história do Brasil, os resultados da pressão popular vieram poucos anos depois, com a aprovação de uma nova Constituição, em 1988, e eleições diretas para presidente em 1989.
Já neste século os argentinos saíram às ruas com panelas na mão, em dezembro de 2001, para pedir a saída do presidente Fernando De la Rúa. O protesto foi motivado pelo agravamento da crise financeira no país e pela medida anunciada pelo presidente de confiscar os depósitos bancários. O centro dos protestos foi a Praça de Maio, onde está localizada a Casa Rosada, sede do governo federal. Ao longo dos dias, os protestos foram intensificados, aumentando também o conflito entre policiais e manifestantes. Estima-se que cerca de 30 pessoas morreram nas manifestações, que culminaram com a renúncia de La Rúa, em 20 de dezembro de 2001.
Em agosto de 2007, a população e monges budistas iniciaram uma série de protestos antigovernamentais contra a situação econômica de Mianmar (antiga Birmânia). Devido à cor do traje usado pelos monges, o protesto também ficou conhecido como "Revolução Amarelo-Laranja". Os protestos foram considerados o maior levante popular dos últimos anos contra a junta militar que governa o país do Sudeste Asiático. A repressão por parte da polícia foi forte. Acredita-se que pelo menos 3.000 pessoas morreram nos confrontos, além do governo ter restringido o acesso à internet e imposto um toque de recolher à população.
No Oriente Médio o movimento mais marcante foi no Irã, em 2009, quando centenas de manifestantes foram às ruas de Teerã, em um protesto que durou 10 dias, contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, declarado vitorioso nas eleições presidenciais com 62%. Nomes da oposição, entre eles o candidato derrotado Mir Houssein Mousavi, acusaram o governo de fraude eleitoral e corrupção. Como as emissoras do país não divulgavam os protestos, os manifestantes recorreram a canais como Twitter, You Tube e Flickr para reportar a todo o mundo o que estava acontecendo no Irã.
Na Geórgia, em 2007, cerca de 40 mil pessoas exigiram eleições antecipadas durante um protesto em contra o presidente Mikhail Saakashvili. O protesto foi considerado a maior manifestação de descontentamento público desde a revolução de 2003, que levou Mikhail ao poder. Manifestantes da oposição, 250 ao todo, ocuparam a frente do prédio do Parlamento e disseram que não sairiam de lá até que suas exigências fossem cumpridas. A manifestação, organizada por 10 partidos e movimentos de oposição, apresentou uma carta de exigências ao presidente, pedindo a convocação de eleições parlamentares antecipadas, constituição de uma Comissão Eleitoral Central sobre bases paritárias e libertação de todos os presos políticos.
No mundo antigo a revolta de Espártaco, considerada a maior rebelião de escravos da antiguidade, conseguiu reunir um exército com um contingente de mais de 100 mil homens. O exército liderado por Espártaco chegou várias vezes a vencer as legiões do exército romano no sul da Itália. Mas no ano de 71 A.C., o exército romano empreendeu uma grande força tarefa, vencendo os rebeldes. Mais de 6000 escravos foram crucificados e Espártaco morreu em combate. Dessa maneira, no ano de 71 A.C., a maior revolta popular do mundo antigo e que abalou as estruturas socioeconômicas de Roma, chegou ao fim.