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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
A CLASSE MÉDIA É O PARAÍSO
   
Muito historiadores são unânimes em afirmar que a Revolução Russa de 1917 tem o mesmo significado para o século XX que a Revolução Francesa para o século anterior. Ambas foram movimentos de massas e ideias que derrubaram monarquias de forma violenta e deram novo perfil à História da Humanidade. Ambas foram lideradas pela classe média, só mudando a nomenclatura dos líderes: na revolução francesa eram burgueses e na russa, bolcheviques.

O historiador britânico Eric Hobsbawm afirma que é a classe média e não os operários quem impulsiona as atuais revoltas, citando como exemplo, em entrevista à BBC, o caso da Primavera Árabe.

Os movimentos de contestação "foram impulsionados pelos mais ricos e não pelo povo". Além de escrever sobre as revoluções, Hobsbawm também apoiou algumas revoltas. Com mais de 90 anos, sua longa paixão pela política aparece no título de seu mais novo livro: How to change the World (Como mudar o mundo).

Sobre o tema, Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, uma das maiores figuras da história do anarquismo e um oponente do Marxismo em seu caráter autoritário, especialmente com relação "Ditadura do Proletariado" tem uma análise que permanece atualíssima para muitos países, quando afirma que o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada.

Essa minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-ão de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.

James Petras, professor de Sociologia da Universidade de Binghamton, Nova York e professor adjunto da Universidade de Saint Mary, Halifax, Nova Escócia, Canadá, tem inúmeras publicações sobre questões políticas da América Latina e Oriente Médio. Em uma das últimas, faz uma análise sobre a classe média, os movimentos sociais e a esquerda. Segundo ele, o comportamento social e político da classe média é determinado pela sua posição e interesses de classe e o contexto político-econômico com o qual se confronta.

Destaca que no contexto de um regime de direita com economia em expansão, créditos baratos e importações de bens de consumo a baixos preços, a classe média é atraída para a direita. No contexto de um regime de direita em profunda crise económica, a classe média pode ser parte de uma vasta frente popular, procurando recuperar sua a propriedade, as poupanças e o emprego perdidos. Quando há um governo popular anti-ditatorial e anti-imperialista, a classe média apoia reformas democráticas mas opõe-se a qualquer radicalização que torne as suas condições iguais às da classe trabalhadora.

Petras cita três exemplos, Brasil, Argentina e Bolívia, para ilustrar a mudança de orientação bem como as divisões internas da classe média na condução dos movimentos sociais. No Brasil, a classe média ascendente, composta por funcionários, profissionais, advogados trabalhistas e burocratas sindicais que assumiram o comando do Partido dos Trabalhadores (PT) liderado por Lula. E destaca: "Com 75% dos delegados, apoiaram uma aliança eleitoral com o Partido Liberal e com o setor financeiro. Uma vez no poder, moveram-se das posições social-democratas para as dos políticos neoliberais. Os movimentos sociais, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pobres Urbanos Sem Casa (MSC), apoiaram a eleição de Lula na base das promessas pré-eleitorais, deixando de aplicar uma análise de classe às mudanças na política, na liderança e no programa".

Peta continua afirmando que o resultado foi que os movimentos sociais desperdiçaram cinco anos a argumentar que o regime Lula era território em disputa e que poderia ser empurrado para a esquerda. Em consequência, o MST perdeu terreno político, ficou organizativamente isolado e os seus militantes desorientados durante aproximadamente esses cinco anos.

Na Argentina, a classe média, especialmente a pequena burguesia do setor privado, apoiou o regime neoliberal de Menem na década de 1990. O seu apoio baseou-se no crédito barato (baixas taxas de juro), importações baratas de bens de consumo, uma economia dolarizada e uma economia em expansão baseada em empréstimos externos. Com as crises económicas (1999-2002) e o colapso da economia (Dezembro 2001-Dezembro 2002), a classe média viu as suas contas bancárias congeladas, perdeu os seus empregos, os negócios entraram em bancarrota e a pobreza atingiu mais de 50% da população. Em consequência, a classe média radicalizou e foi às ruas numa rebelião em massa a fim de protestar em frente aos bancos, ao Congresso e ao Palácio Presidencial.

Esta rebelião espontânea adotou o slogan "Que se vayan todos!", refletindo a rejeição do "status quo" neoliberal, mas também qualquer solução radical. A esquerda do sindicato de funcionários públicos (CTA) e o sindicato direitista do setor privado (CGT) pouco ajudaram na liderança. Em meados de 2003 a classe média mudou de política eleitoral e votou por Kirchner que fez campanha como social-democrata de centro-esquerda. A partir de 2003 os preços das commodities mundiais ascenderam significativamente, a Argentina adiou e posteriormente reduziu seus pagamentos da dívida e Kirchner estabilizou a economia, descongelou as contas bancárias da classe média a qual então se virou em direção ao centro.

Petra destaca que a Argentina ilustra como a política da classe média pode mudar dramaticamente da conformidade à rebelião, mas na falta de qualquer direção política retrocede para a direita. Com a estabilização, a classe média privada separa-se dos funcionários públicos, com os primeiros a apoiarem neoliberais e os últimos a social-democracia.

Na Bolívia o governo do MAS (Movimento para o Socialismo) tem uma base de massa eleitoral constituída por pobres urbanos e rurais-urbanos, mas os seus ministros são todos profissionais burgueses, tecnocratas e juristas com uns poucos líderes de movimentos cooptados. Evo Morales combina demagogia política para as massas, como nacionalização do petróleo e do gás e reforma agrária com práticas liberais tais como assinar acordos de "joint venture" com todas as grandes companhias internacionais de petróleo e gás e excluir da expropriação para a reforma agrária grandes plantações produtivas das oligarquias. Enquanto isso, os pequeno-burgueses prejudicados, que inicialmente apoiaram Evo Morales para pacificar a rebelião dos índios e trabalhadores, subsequentemente se viraram para a direita.

James Petra conclui sua análise declarando: " Os novos programas de centro-esquerda de Lula, Kirchner e Morales na verdade são a nova face da direita neoliberal. Esses regimes seguiram as mesmas políticas macroeconómicas, recusaram-se a reverter as privatizações ilegais dos regimes anteriores, mantiveram as brutais desigualdades de classes e enfraqueceram os movimentos sociais".

Os regimes de centro-esquerda foram estabilizados pelo boom nos preços das commodities e por excedentes orçamentais e comerciais, que lhes permitiram proporcionar programas mínimos de alívio da pobreza. O seu principal êxito foi desmobilizar a esquerda, restaurar a hegemonia capitalista e um grau de autonomia relativa em relação aos EUA através da diversificação com mercados da Ásia.

O principal problema dos movimentos sociais foi o fracasso em desenvolver uma liderança política e um programa para o poder do Estado e, portanto, depender dos políticos eleitorais da classe média de profissionais com mobilidade em ascensão. Tão logo os movimentos subordinaram políticas extra-parlamentares aos partidos eleitorais, eles foram capturados em alianças eleitorais entre os líderes da classe média e os grandes capitalistas".



   
 
 
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