Ronald de Carvalho, Jornalista - Instituto Alvaro Valle
A detenção no aeroporto de Heathrow, em Londres, do brasileiro David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald, correspondente do jornal inglês "The Guardian" no Brasil, que vem denunciando casos de ciberespionagem desde junho, foi um aviso para outros jornais e jornalistas que queiram se aventurar nos perigosos caminhos de divulgar os arquivos roubados por Edward Snowden, colaborador terceirizado da Agência de Segurança Nacional (NSA) e ex-funcionário da Central Intelligence Agency (CIA), hoje exilado na Rússia.
A tese é da Anistia Internacional, divulgada pela diretora sênior de Legislação e Política da entidade, Widney Brown, segundo a qual a questão têm respostas simples e diretas.Trata-se de uma injustificada tática de vingança contra Glenn Greenwald, com base numa lei vaga e que pode ser abusiva por razões mesquinhas e vingativas. Widney acrescenta que ao mirar em Miranda e Greenwald, o governo envia uma mensagem para outros jornalistas que mantêm sua independência e cobrem de forma crítica as autoridades: eles também podem ser alvo.
Os analistas internacionais fazem coro com a avaliação da anistia. Para eles nada de novo foi conseguido com a prisão do brasileiro, a não ser um imenso estardalhaço na mídia internacional, objetivo maior conseguido com a prisão. De resto, afirmam, há muito que os organismos de segurança dos Estados Unidos e da Inglaterra vem rastreando o dia a dia do correspondente do "Guardian" e seu companheiro, sabendo, inclusive quais os arquivos que lhes foram passados por Snowden. Mas as perguntas não se esgotam com as análises da Anistia Internacional e dos analistas especializados. Por exemplo, desde quando o correspondente do The Guardian vem sendo monitorado pelos organismos de segurança dos americanos? Como os ingleses sabiam que David voltava da Alemanha onde havia se encontrado com a documentarista Laura Poitras. Foi Laura e Glenn Greenwald que receberam de Edward Snowden os documentos secretos que denunciavam o esquema de espionagem eletrônica do governo americano. A revelação foi publicada numa reportagem de Greenwald no jornal "The Guardian".
A viagem do brasileiro à Alemanha foi paga pelo jornal inglês. David foi até Berlim com o objetivo principal de entregar documentos para Laura e trazia de volta arquivos eletrônicos enviados por Snowden. Arquivos que, por sinal, eram conhecidos pela CIA. Segundo o jornal, a ação foi coordenada com os EUA. David Miranda foi interrogado durante 9 horas, tiraram dele o computador, máquina fotográfica, smartphone, todos os dispositivos eletrônicos e até mesmo jogos de computador. O brasileiro foi detido com base na Lei Contra o Terrorismo de 2000, apesar de ele nunca antes ter sido suspeito de quaisquer ligações com organizações extremistas.
Ameaçaram Miranda com a prisão, tentando obter dele informação sobre onde Snowden guarda os materiais. Glenn Greenwald, atualmente vive no Brasil e contou isto à televisão brasileira. Ele teme ser preso também na Grã-Bretanha ou nos EUA. Mas, como disse, as ações das autoridades britânicas não o obrigarão a ficar calado. E acrescentou: "Eu agora irei trabalhar mais ativamente e publicarei ainda mais documentos, sendo que disponho também de documentos sobre a ampla espionagem dos serviços de inteligência ingleses." Para os analistas esta posição só o coloca mais ainda no olho do furacão.
A nota da Anistia Internacional lembra que a lei antiterrorismo britânica é criticada por permitir abusos e por ser muito vaga. Ela permite que qualquer pessoa seja presa ao tentar entrar ou sair do Reino Unido, sem precisar apresentar causa provável. O detido é considerado criminoso caso se recuse a responder qualquer pergunta, seja por qual motivo for. Essa lei inverte parte das chamadas "Advertências Miranda", que comumente aparecem nos filmes de Hollywood: o detido não tem o direito de permanecer calado e nem de falar com um advogado. Tudo o que ele disser, porém, poderá ser usado judicialmente contra ele. Anistia lembra ainda que uma legislação semelhante, que permitia a revista de pessoas sem qualquer fundamento, foi considerada ilegal pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2010.
Segundo os analistas, a prisão do brasileiro na Grã-Bretanha estourou um escândalo em torno da campanha de intimidação dos jornalistas do jornal The Guardian, seus amigos e familiares, desencadeada pelos serviços secretos do país. O jornal The Guardian foi o primeiro a publicar no fim deste ano matérias denunciadoras recebidas do ex-agente da CIA Edward Snowden sobre a espionagem global dos EUA. As autoridades britânicas exigiram que os jornalistas destruíssem ou entregassem os materiais secretos recebidos de Snowden. Caso contrário, prometeram processar o redator-chefe, Alan Rusbridger.Os mesmos analistas lembram que foi justamente Greenwald quem começou a publicação das denúncias de Snowden.
Sobre a questão Alan Rusbridger contou que, durante dois meses telefonaram para ele e insistiram na cessação das publicações. Recentemente, dois agentes do Departamento de Comunicações Governamentais (GCHQ) - é como se chama o análogo do americano ASN - chegaram ao jornal e obrigaram os funcionários a destruir os discos com dados de Snowden. Segundo Rusbridger, ele tentou explicar aos agentes que, na era das tecnologias digitais, isto é um exercício absurdo e que todos os dados podem ser recuperados de outros portadores. Mas foi tudo em vão.
A "destruição simbólica" foi necessária, provavelmente, para prestação de contas. Rusbridger afirma que o The Guardian continuará a publicar o dossier Snowden mas toda a informação será guardada fora da Grã-Bretanha."A histeria da guerra ao terrorismo" chegou agora a tal ponto que corrompe todos os níveis do governo democrático do Estado", constata o The Guardian.
O Brasil já reagiu à detenção ilegal de seu cidadão. O ministro do Exterior do país, Antonio Patriota, declarou que não pretende deixar este caso sem consequências. "Já enviamos a declaração correspondente às autoridades britânicas. Trata-se de uma medida injustificável, por envolver uma pessoa contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso da referida legislação. O governo brasileiro espera que incidentes como o registrado hoje com o cidadão brasileiro não se repitam. Devo conversar com o chanceler William Hague e terei a oportunidade de abordar esse tema".
Ao mesmo tempo o Ministério do Interior britânico justificou a detenção do brasileiro afirmando que a polícia tem o dever de agir caso suspeite que um indivíduo possua "documentos roubados" capazes de "ajudar o terrorismo. Se a polícia acredita que alguém possui documentos roubados altamente sensíveis que poderiam ajudar ao terrorismo, ela deve agir e a lei lhe dá a estrutura para fazê-lo. Aqueles que se opõem a tais ações devem refletir', acrescentou o ministério. Para os analistas, trocando em miúdos, esta declaração do ministério inglês equivale a dizer que os protestos brasileiros redundarão em nada.